Outro dia fui assistir uma peça chamada “Fortes Batidas” a convite de uma amiga que atua na mesma.
O enredo se passa numa casa noturna e são encenadas situações que acontecem numa noite qualquer, numa balada qualquer, com pessoas quaisquer. As cenas vão de uma garota flertando com o barman e comendo ele no banheiro, passando pela posição machista dos pegadores de plantão, até a saída do armário do gay enrustido, tímido e reprimido.
A peça expõe as situações que acontecem no convívio social de forma educativa mas sem crítica mais contundente, é apenas uma cartilha de bons modos na atualidade de acordo com o tal “politicamente correto”.
Depois da apresentação fui para casa e fiquei refletindo sobre o tema, visto que a peça é um sucesso estrondoso, sempre lotada por uma plateia na faixa dos 20 anos.
Isso me levou a questionar sobre a questão da liberação sexual e o respeito às diversidades de orientação e expressão de gênero, visto que são questões abordadas na peça.
Aí surgiu a pergunta: Você já parou para pensar na questão da liberação sexual sem se deixar levar por paixões no momento de olhar para o assunto? Sem se preocupar se sua opinião será a mesma de todos, portanto fazendo eco com a maioria, se sua opinião é mesmo crítica ou se apenas é uma tentativa de se expressar de forma a ser aceito no grupo social com o qual convive?
Tudo indica que estamos num momento em que a liberdade sexual é desfrutada por todos de uma forma nunca antes pensada e permitida.
A princípio qualquer um pode ter uma vida sexual ativa e desfrutar dela da forma que quiser. Ser bi, homo, pan, trans, trav, fetichista, dominador, submisso, switcher. Qualquer outra categorização que não fosse hetero seria algo que deveria permanecer oculto, jamais comentado publicamente e suas práticas restritas a locais específicos, sem placas na porta, sem identificação e com acesso por meio de senhas ou indicação de um iniciado. Era o que chamava-se de “O submundo”.
Ninguém poderia supor que uma Bruna Surfistinha ou uma Lola Benvenutti se tornariam celebridades(?) e seu meio de vida encantaria e inspiraria muitas mulheres a seguir o caminho por elas trilhado.
Ir a uma festa, transar no banheiro ou em público, transar a três, se tornou algo corriqueiro. Em qualquer balada acontece!
Para uns o momento mais excitante não foi a transa. Contar para o outro depois é o que excita de fato! Aí que está o verdadeiro tesão! Isso é um ponto a se observar!
Porque estou falando isso? Porque o sexo vem se tornando uma performance.
Nos vemos reproduzindo comportamentos, sem questionar porque fazemos isso ou aquilo, e quanto mais bem elaborada a performance, mais status é percebido socialmente.
Colocar nas redes sociais fotos pós transa, postar depoimentos contando que deu esse ou aquele buraco, comentando sobre o tamanho do pau do parceiro, o número de vezes que conseguiu uma ereção, ou qualquer outra métrica que comprove desempenho superlativo é altamente atraente. Só não pode contar que não gozou, que tem dificuldade para obter lubrificação, que finge orgasmo, ou que sofre de ejaculação precoce ou que o pau miseravelmente não subiu nem com Viagra! Em rede social, vexame, fracasso, jamais! Abafa o caso! Não acontece nem jamais aconteceu! Essa coisas só acontecem com aquele amigo ou amiga que não vemos faz tempo porque queima o filme andar com aquele tipo de pessoa, aquela pessoa que miseravelmente falha!
Só é lícito andar com as melhores pessoas, com as pessoas mais belas, com as pessoas mais descoladas e liberadas. E isso independe de tribo, gueto, faixa etária ou orientação sexual.
Durante um bom tempo eu fui protagonista nos Saraus Eróticos. Eu atuava como Dionísio e minha função era basicamente, junto com mais duas ou três garotas incitar a plateia a se soltar, arrancar a roupa e se permitir o que cotidianamente não se permitiam, ao menos em público, num ambiente controlado, mediado por um código comportamental “politicamente correto”. E a moçada até que se soltava, se bem que a quantidade de voyeurs sempre superou a de participantes ativos, reitero que esses participantes eram compostos por pessoas de todos os sexo, orientações e expressões de gênero.
A grande chave para a “liberação sexual” nesse ambiente pavloviano, de ratinhos num experimento sobre a capacidade de pessoas burlarem seus limites, era que estávamos fazendo arte e que a poesia, a cultura permeavam o evento.
Hoje olho para aquilo e acho de uma hipocrisia atroz.
E porque hipocrisia? Porque na real não havia liberação sexual alguma, não havia contestação alguma, não havia nada além de vaidades e desejo de ser reconhecido por todos os presentes na plateia que se soltavam(?), pelos participantes se consideram descolados, vanguardistas, ditadores de tendências.
Me vi revivendo a tentativa de liberdade dos anos 60 feita pelo flower power. Hippies anacrônicos tentando ganhar espaço midiático, vestidos de paninhos brancos, rostos pintados singelamente e palavras de ordem decoradas, sempre precedidas pelo bordão “EVOÉ!”
E a plateia ia ao delírio!
Sabe porque ia ao delírio?
A resposta é simples: Porque não há essa liberação sexual tanto exaltada! Porque essa liberação sexual é na verdade uma falácia! Se a liberação sexual fosse de fato liberação, não haveria espaço para saraus eróticos, não haveria lugar para a pornografia e não haveria razão desse texto.
O que vemos hoje é a absorção da liberação sexual pelo meios de produção e de dominação; nos mesmos moldes dos anos 50 só que repaginada.
Se antes a repressão visava a produção, hoje a liberação visa a criação de sofrimento psíquico. E o sofrimento psíquico se tornou uma das industrias mais lucrativas do planeta; equiparada às drogas, armas e petróleo.
Somos incitados, impelidos ao gozo incansavelmente. Não podemos ficar sem gozar. Se antes sofríamos por não haver possibilidade de algum gozo, hoje sofremos porque não podemos ficar sem gozar.
Então a tal repressão sexual está aí, mais viva e mais forte do que nunca, porque tira das pessoas o direito de escolher, de se posicionar fora do que é considerado o prazeroso para a maioria. Fora do que é considerado o comportamento sexual acertado no momento.
Se você olhar as revista dos anos 50 e 60 verá uma série de normas que eram consideradas as aceitáveis. Uma mulher não podia se expor, não podia levantar a voz para o homem e devia ser low profile quanto à sua sexualidade.
O que dizem as mesmas revistas repaginadas de hoje?
Dizem como ser sexy, de como uma mulher ou homem podem se tornar atraentes, como despertar o desejo no outro, seja às custas de plásticas, horas de academia e muita alimentação dita “saudável”
Pulamos da frigideira e caímos no fogo! Antes nada podíamos, agora podemos tudo e por podermos tudo não podemos nada.
Quando você for dar a sua próxima trepada, pense sobre o que está te motivando ao sexo. Será que o motivo é realmente seu ou será que o motivo foi imposto sem que você percebesse? Ou será uma forma de desejar que atenda à industrialização do sexo e do sofrimento a partir do sexo?